Intervenção da CDU na Cerimónia evocativa do 25 de Abril, na Assembleia de Freguesia de Ermesinde
Senhor Presidente da Junta
Senhores membros da Assembleia e da Junta de Freguesia
Prezadas senhoras e senhores
Antes de tudo, gostaria de manifestar o meu sincero agrado por estarmos este ano e pela primeira vez a evocar o 25 de Abril neste belo novo edifício da Junta de Ermesinde, que esperamos ver em breve concluído e capaz de prestar mais amplos serviços à população da cidade.
Passa este ano o 32º aniversário da Revolução de Abril. Do processo revolucionário então vivido, guardamos recordações e defendemos posições diversas, é verdade. No entanto, é também uma verdade indesmentível que o país que hoje conhecemos, apesar de todos os seus inegáveis atrasos e insucessos, é radicalmente diferente do que conhecemos antes daquela madrugada de libertação.
Desse processo e como seu resultado nasceu também, faz agora 30 anos, a actual Constituição da República.
Gostaria de aqui fazer uma brevíssima e muito incompleta viagem pelo interior deste importante texto que, apesar de já ter sido alvo de sete revisões, na sua maior parte negativas e descaracterizadoras, continua a ser a mais progressista da Europa ocidental, ou se quiserem, da União Europeia. E digo progressista no sentido inteiro da palavra de progresso económico, com repartição mais justa e fraterna dos bens produzidos; de progresso social, com o direito ao trabalho com direitos, a garantia de coisas tão essenciais como os cuidados de saúde ou a aposentação digna no fim de uma vida de trabalho; de progresso cultural, com ensino público gratuito e universal e um largo acesso à fruição da cultura; de progresso na vivência e na participação política dos cidadãos e das massas populares.
Logo no seu artigo 9º se diz que são tarefas fundamentais do Estado, entre outras, promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais. Fica assim traçado o programa político desta Constituição. Não estaríamos já mais à frente, se fossem cumpridos estes preceitos constitucionais?
A Constituição portuguesa desenvolve, de maneira única e inequívoca nos países da Europa ocidental, o tema do Trabalho, dos trabalhadores e dos seus direitos.
Ao debruçar-se sobre a questão dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, o artigo 58ª diz, por exemplo, que o Estado deve tomar medidas para assegurar o direito ao trabalho, entre outras coisas, promovendo políticas de pleno emprego. Tivessem isto em conta os governos que se sucedem nas cadeiras do poder e não teríamos desmantelado a agricultura e a frota pesqueira nacionais, encerrado as minas e a maior parte das indústrias em que tínhamos conseguido inegável saber fazer e qualidade, com um operariado altamente capaz, como a metalomecânica ligeira e pesada, a têxtil ou a indústria de conservas. E decerto não teríamos hoje a elevada e crescente taxa de desemprego que temos, com todos os dramas e frustrações que lhe são inerentes.
Fosse a Constituição respeitada na sua letra e espírito e o chamado Código do Trabalho não teria passado em nenhum Tribunal Constitucional, nem à assinatura de nenhum Presidente da República.
No que toca ao Ensino - outro importante pilar das sociedades modernas - a Constituição determina, por exemplo, que incumbe ao Estado garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da fruição artística, eliminar o analfabetismo e estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos o graus de ensino. Se os sucessivos governos do país cumprissem tais preceitos, teríamos o abandono e o insucesso escolares mais elevados de toda a União Europeia? Deteríamos o recorde europeu da iliteracia, nome chique que os media do Capital dão agora ao analfabetismo? Assistiríamos à imposição e constante aumento das propinas universitárias, que atingem valores dificilmente incomportáveis para muitas famílias e são já um travão ao acesso à Universidade para muitos jovens das classes desapossadas?
No plano das relações internacionais, diz a Constituição que Portugal se rege pelos princípios da independência nacional, do respeito pelos direitos humanos, dos direitos dos outros povos, da igualdade entre os Estados. Diz também que as normas e princípios do direito internacional fazem parte integrante do direito português.
Que bom seria que este preceito fosse respeitado. Certamente não nos teríamos desonrado como nação, participando na aventura imperialista e condenada à completa derrota, da invasão do Iraque, nem na manutenção da ocupação do Afeganistão, Estados soberanos, por sinal. Não continuaríamos envolvidos numa guerra de agressão, de completa destruição e saque de um país e de um povo, que construiu as primeiras grandes cidades do mundo, quando por vastíssimas regiões da Europa e da América apenas se passeavam ainda manadas de bisontes e de mamutes.
Por fim, mas não por último, o poder autárquico. O poder local vigente hoje em dia nada tem a ver com o que existia em 24 de Abril de 1974. E também ele não só é filho dessa Revolução dos cravos que hoje aqui evocamos, como os seus direitos, prerrogativas e deveres estão firmemente consagrados na Constituição. No seu artigo 235, afirma-se que a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais, sendo estas as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Apesar de as regiões administrativas continuarem por concretizar e de assistirmos a crescentes intervenções e tentativas de intervenção do poder central e centralizador nos assuntos do poder local, este continua a ser potencialmente o mais democrático e participado dos poderes instituídos.
Muito mais há a dizer da Constituição. Essa Constituição política que, continua a conter em si orientações, filosofia política, intenções, bastantes para, caso fossem tidas em conta e cumpridas, levar o país a um patamar superior do seu desenvolvimento social, económico e cultural.
O PCP, que teve na génese da Lei fundamental do país um empenhado papel, continuará a tê-lo também na sua defesa, na promoção dos seus valores, como insubstituível instrumento para a construção de um país que sonhamos fraterno e solidário, como essa madrugada primaveril e libertadora de há 32 anos.
Viva o 25 de Abril !
Os eleitos da CDU na Assembleia e na Junta de Freguesia de Ermesinde
25 de Abril de 2006