Os novos aumentos da água - A história repete-se mas PS e PSD trocam de papeis
A privatização dos serviços de água e saneamento no concelho de Valongo foi realizada a 14 de julho de 2000, a Câmara então de maioria PSD, presidida por Fernando Melo, procedeu à “concessão”, por 30 anos, da exploração da rede de água e saneamento a uma empresa multinacional.
Na época, segundo a Comissão Eventual de Avaliação da Privatização dos Serviços de Águas e Saneamento, os serviços municipalizados de água e saneamento prestavam um serviço de boa qualidade e eram rentáveis para o município[1]. A empresa assume assim a gestão do serviço com mais de 75% do saneamento coberto[2].
Dizia, o então presidente da Câmara, que esta era a única solução possível e que o seu chumbo colocaria em causa a ampliação da rede “[o] investimento não poderá ser adiado, nem poderá ser custeado só pelo Município, sob pena deste ter de deixar de investir em tantas outras áreas prioritárias como a educação, as acessibilidades, a habitação, o desporto, a cultura, o lazer, etc etc. Assim, atendendo à falta de meios financeiros próprios e porque o sistema público autárquico de limitação do endividamento é altamente redutor, vê-se o Município na necessidade de recorrer ao investimento privado”[3]. O negócio era ótimo para o município e para os valonguenses, não se corriam riscos porque há muito que era usado na restante europa.
O PS, onde já pontificava José Manuel Ribeiro como vereador, votou contra, não por estar contra a privatização, mas porque não concordava com o “método” e o prazo de 30 anos... “votamos contra… não porque sejamos contra a filosofia de aligeiramento de algumas estruturas administrativas da instituição-câmara, pela via privada, mas porque apenas e neste caso concreto, porque nos opomos à forma, ao modo e ao tempo em que é feita esta alienação”.3
Quatro anos depois, a Empresa exigiu e obteve da Câmara PSD um alargamento do prazo para 36 anos e deixar de pagar as rendas acordadas no contrato, cujo valor, segundo um estudo feito para a CM, rondaria os 632 mil euros por ano, mantendo-se a previsão do aumento do consumo, mesmo sem qualquer estudo económico/financeiro que sustentasse tal previsão. Nessa altura, o PS absteve-se na votação na Câmara, lavando dali as mãos como Pilatos.
A análise histórica do processo permite-nos fazer uma avaliação e tentar não cometer os erros anteriores. Se em 2004, pode existir a “desculpa” de não se saber a real dimensão do problema, hoje tal já não pode ser ignorado. Chegamos assim à renegociação de 2015, com o conhecimento proveniente da experiência vivida e o conhecimento de vários pareceres, incluindo o do Tribunal de Contas.
A 20 de Agosto de 2015 é votado na CM uma proposta com os votos contra da CDU e a abstenção do PSD. Mas a 26 de janeiro de 2016, a entidade reguladora dos serviços de água e resíduos emitiu um parecer negativo acerca da mesma. Neste parecer a ERSAR ia ainda mais longe afirmando que, ao contrário do previsto pela CM, de aumento dos preços da água, o que deveria acontecer em Valongo era uma “redução tarifária” [página 33 do parecer da ERSAR de 26/01/2016]. O PS tinha assim duas opções ou colocava novamente à votação a mesma proposta, continuando, à revelia da ERSAR (cujo parecer não é vinculativo), com este aditamento, sabendo à partida que teria a oposição da CDU ou usava este parecer em benefício das populações e, com mais força, renegociava junto da empresa um novo aditamento.
A opção que o PS fez foi o de insistir com a mesma proposta, considerando-a muito positiva, que os aumentos eram uma questão de “espírito de solidariedade intermunicípios”[4] e afirmando que o seu chumbo iria fazer abater um caos no concelho, novamente usou da vitimização, do eu sou um coitadinho e estes são os maus da fita que não nos deixam governar. A proposta do PS não passou e o processo seguiu para uma comissão arbitral, cujo elemento escolhido pela Câmara PS foi o mesmo técnico que anteriormente tinha feito o estudo que teve o parecer negativo da ERSAR.
Assim chegamos hoje à votação na AM de um novo aditamento, agora negociado entre as partes na comissão arbitral, que teve aprovação na CM com os votos do PS e PSD. Este, apesar de diferir pouco do seu antecessor, acaba por ser melhor que o anterior. Mas, se analisarmos o gráfico comparativo da evolução dos valores a pagar num consumo médio, facilmente concluímos que a melhoria está longe de se aproximar de um aumento que seguisse, por exemplo, uma taxa de inflação anual de 1%.
Tal como na versão anterior são incluídas as tarifas sociais e para famílias numerosas. Esta inclusão, apesar de positiva, apenas influenciará, respetivamente 400 e 2000 famílias[5], num universo de 33949 famílias[6] (7% das famílias valonguenses). Mas estas últimas, ao final de 2 anos ficarão a pagar mais do que pagam hoje sem a existência deste escalão!! Por outro lado, não podemos deixar de referir, que a inclusão de ambas as tarifas já era referida pela ERSAR em 2009, desde então que a CM e a Empresa estão em falta para com os Valonguenses.
Relativamente à troca do investimento na infraestrutura pelo investimento nas ETARS de Campo e Ermesinde, não podemos deixar de lembrar que, o que hoje parece um ótimo negócio para a CM (livra-se de ter de investir na melhoria das condições das ETARs, tal como achou o Presidente da CM Fernando Melo em 2000), pode ser um desastre no futuro, já que a empresa vai desviar o valor que tinha para investir na manutenção da estrutura de águas e saneamento para estas obras. Sem este investimento previsto, como estarão as estruturas aquando do final do contrato?
Pode o PSD dizer que com o seu voto conseguiu que a população poupasse milhões, esta afirmação será rapidamente desmentida pela própria população, quando em 2019 vir a sua fatura da água a crescer bem mais que o seu ordenado.
O PS podia fazer diferente? Podia! Tinha o nosso apoio e maioria na CM para levar isto até às últimas consequências, tinha do seu lado a CDU, o tribunal de contas, a ERSAR. Mas a questão é que o PS não quer. Por isso, com o voto do PSD (tal como em 2004) irão fazer um aditamento gravoso ao contrato de concessão. E a história repete-se, mas agora com os papeis trocados.
Valongo, 27 de abril de 2017
A Coligação Democrática Unitária
[1]Informação retirada do Relatório da Comissão Eventual de Avaliação da Privatização dos Serviços de Águas e Saneamento discutido em 07/09/2013 em reunião da Assembleia Municipal.
[2] Dados retirados do site da empresa http://www.valongo-bewater.com.pt/pt/evolucao
[3] Ata de 20/10/1999
[4] Página 3 do parecer do técnico contratado pela CM de Valongo de 20 de junho de 2016
[5] ERSAR 1/2009
[6] Censos 2011